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O filme A Viagem é muito ruim ou genial?

3.4.13ConversaCult


Quando eu saí do filme "A Viagem," eu não sabia se tinha gostado muito ou se tinha achado horrível. Então fui perguntar para internet e encontrei essa resenha aqui que resume o filme e ainda compara com o livro. Na época, eu quase postei isso no lugar da minha resenha, mas quis dar a minha opinião. Aproveitando que os lindos da Companhia das Letras vão lançar o livro que deu origem ao filme (o título é Cloud Atlas, não sei se vai virar A Viagem também aqui) em breve, decidi que era hora de traduzir para o CC. Não tem spoilers do livro, mas não indico para quem ainda não assistiu o filme. Nesse caso, passa lá na minha resenha.

Tradução começando a partir daqui. Aproveitem!



Em “A Viagem” seis histórias diferentes em épocas diferentes são interligadas para compor uma emocionante história sobre libertação e revelação. Certamente, o modo como você se sente ao assistir o filme depende muito do seu ponto de vista: você pode analisar as coisas separadamente, o que às vezes vai ser bem frustrante. Mas se você parar pra analisar o filme como um todo, é fantástico, e extremamente satisfatório.

É apenas mais uma camada de referência em um filme cheio de referências: a maior falha do filme é uma extensão do todo ser a soma de todos os seus temas. E do mundo ser uma soma de escolhas boas e ruins. De qualquer forma, esse é um filme que você deveria assistir e tirar suas próprias conclusões. 

Como em qualquer filme, existem duas versões: a versão que você assiste na hora, e a versão que se reconstrói na sua mente no dia seguinte, quando você está embaixo do chuveiro. Nós tendemos a julgar filmes baseados na ultima versão, a do chuveiro. Algumas vezes leva dias até você ter uma análise completa de um filme, com todas as peças se encaixando, e consolidar um veredicto. Mas "A Viagem", parece ser um caso especial: eu vi dias atrás, e ainda está se recusando a entrar em foco, embora eu sinto mais como se tivesse gostado muito. 

Então, como você provavelmente deve saber, “A Viagem” é uma adaptação do aclamado livro de David Mitchell, o qual combina seis historias de seis épocas diferentes e diferentes gêneros. Apenas entrelaçar seis histórias, que vão desde o século 19 até o futuro distante, parece não ter sido desafio suficiente para os três diretores do filme (dois irmãos Wachowski, além de Tom Tykwer). Para adicionar uma camada extra de loucura, eles decidiram que os principais atores, como Tom Hanks e Halle Berry, iam interpretar papeis diferentes em cada tempo, muita vezes usando maquiagem até caricaturada de tão falsa e rosto esticado. Distrativo? Ridículo? Muitas vezes problemático? Sim.  


Na verdade, o resultado é tão autoindulgente, parece que está patinando na beira do desastre total. E, no entanto, é também um filme cativante e edificante onde seis histórias te impulsionam para frente e te mantém imaginando o que vai acontecer, até mesmo quando eles levantam o tipo de ideias filosóficas pelas quais os Wachowski se tornaram famosos.

Spoilers daqui pra frente...

1) Em 1850, Adam Ewing é um advogado que atravessa o mar para fechar um contrato.
2) Em 1930, um jovem músico chamado Robert Frobish vai trabalhar com um famoso compositor meio maluco.
3) Em 1974, uma repórter chamada Luisa Rey acaba envolvida em um mistério de um assassinato. 
4) Em 2012, um editor idoso tira a sorte grande com a última publicação até tudo virar de cabeça para baixo.
5) Num futuro distópico, um clone "fabricante" trabalha como garçonete em um fast food. 
6) Em um futuro pós-apocalíptico mais distante, um nativo de uma ilha tenta decidir se confia em uma mulher vinda de uma sociedade super-avançada


Como no romance de Mitchell, cada uma dessas histórias é interligada de maneira diferente. Em cada uma, alguém está lendo ou assistindo a uma versão da anterior. (Assim, por exemplo, Robert Frobisher lê o diário de Adam Ewing.) E, também, uma pessoa em cada linha de tempo parece ter uma marca de nascença em forma de cometa, abrindo a vaga possibilidade de que é uma história sobre reencarnação. E há outras ligações aleatórias, incluindo laços temáticos e o fato de que o compositor na década de 1930 parece sonhar com o restaurente do futuro dos fabricantes.

Mas Mitchell assume a estrutura elegante e simétrica das "bonecas embutidas", onde o livro avança no tempo para a história pós-apocalíptica e depois para trás até 1850 novamente. Na versão cinematográfica, os Wachowski e Tykwer abandonaram essa simetria para uma abordagem mais em "mosaico", utilizando vários truques cinematográficos de justapor e até mesmo sobrepor as diferentes épocas da história. E a estrutura muito mais complexa e desafiadora é central para o significado da versão do filme. 


Esta estrutura "vai-e-volta" sempre me pareceu “infilmável”, e é por isso que eu acreditava que "A Viagem" nunca seria transformado em um filme. Eu estava meio certo. Ele agora foi adaptado para o cinema, mas como uma espécie de mosaico pontilhista: Ficamos em cada um dos seis mundos apenas o tempo suficiente para o gancho ser absorvido, e a partir daí o filme salta de mundo a mundo na velocidade de um prato-giratório, revisitando cada narrativa por tempo o suficiente para avança-la. 

O livro de Mitchell brinca com intertextualidade, a ideia de cada história influenciar a próxima de maneira bastante sutil. (E então a coisa de "reencarnação" é jogada como uma outra forma de conexão, sem necessariamente fazer muito sentido. Essa discussão sobre o livro do AV Club é uma leitura obrigatória, especialmente os comentários da Tasha Robinson.)

Clique para ver maior o resumo de cada linha de tempo e os atores
A versão do filme, em contrate, faz isso dar certo com alguns cortes alternados entre segmentos diferentes, ou colocando diálogos de uma cena para a outra. E isso permite que os Wachowski e Tykwer criem conexões entre as diferentes histórias que não são baseadas em links reais entre os personagens ou histórias. No processo, eles criam camadas extras de significado e trazem o tema de libertação e a luta do indivíduo contra a pressão da ordem social. 

O maior conexão entre essas histórias distintas, o filme sugere, é que elas são todas parte de um eterno combate pela liberdade, contra aqueles que escravizariam e destruiriam qualquer um que é visto como fraco ou vulnerável. As mensagens morais que estão presentes no livro são trazidas e ampliadas no filme - às vezes ao ponto de você começar a ter flashbacks do tedioso "Coronel Sanders faz uma palestras sobre o livre-arbítrio" de “Matrix – Reloaded”. Como tudo mais sobre “A Viagem”, a mensagem do filme é simultaneamente maravilhosa e horrível. 


Outras conexões entre as histórias são artisticamente trazidas e aprofundadas, como o fato de muitas terem a ver com canibalismo, de um modo ou de outro. (Há uma piada com "Mundo de 2020", assim como no livro.) E o choque entre a civilização e selvagem, que atravessa o livro, é realçada um pouco mais também.

Então essa é uma história sobre um monte de histórias, o que mostra como as histórias tendem a repercutir e remodelar umas as outras. O que torna especialmente interessante é que os Wachowski e o Tykwer escolheram reutilizar os mesmos atores e cobri-los com maquiagem plástica falsa. É quase como se eles quisessem que você ficasse constantemente ciente de quão falso tudo é, te jogar para fora da história de novo e de novo. Você não está apenas jogando "identifique o ator" durante o filme - em qual fantasia horrorosa o Hugh Grant vai aparecer dessa vez? - mas você está pasmo com a maquiagem ridiculamente ruim dos atores.


Atores como Halle Berry e Hugo Weaving interpretam personagens de raças e sexo diferentes no filme, e de certo modo você provavelmente pensaria que é algum tipo de mensagem boba sobre nós todos não termos um gênero específico, somos almas sem características habitando um casulo de pele. Mas ao mesmo tempo, é bem claro que nem todo personagem interpretado pelo Hugo Weaving é a reencarnação da mesma alma. (Pelo menos, não se você leva a marca do cometa a sério.) E isso não fica como "atores versáteis cruzam a linha de gênero e raça para habitar diferentes aspectos físicos." Em vez isso, é mais como pantomima - mais notável quando Weaving vira uma enfermeira musculosa e autoritária no segmento de 2012. A coisa toda fica deliberadamente de mau gosto, especialmente quando atores brancos esticam o rosto para parecer mais asiáticos no segmento "Neo-Seoul." É um futuro distópico onde cada cara asiático parece estar usando uma máscara. E ainda assim, é tudo tão falso e estranho que parece só mais uma coisa estranha em um filme estranho.

Na verdade, a coisa mais estranha no filme talvez seja o Tom Hanks, que aparece com uma das performances mais bola-na-trave que eu vejo em muito tempo. William Shatner vai assistir o modo que Hanks diz uma das falas, "O fraco é carne, e o forte come," e sentir uma profunda sensação de inadequação. E interpretando um homem de tribo pós-apocalíptico, Hanks vai mal de um modo diferente. Hanks parece ter decidido que é a sua chance de provar que ele é capaz de ser tão pirado quanto o Johnny Depp.


Coisas como a performance do Tom Hanks e o já mencionado "esticar a cara te faz asiático" poderiam arrastar qualquer outro filme para o fundo do ralo. E é totalmente possível que para muitos isso aconteça. Mas a despeito de não darem um jeito nessas falhas, eu ainda termino com a sensação de que A Viagem, como um todo, é genuinamente um grande filme.

Eu ainda nem mencionei o quão estiloso esse filme é. Mesmo que você esteja boquiaberto por causa da maquiagem estranha, você está sem palavras para a produção e muitas das ações lindamente filmadas. Visto puramente como um filme de ação, ou um grupo de histórias sobre personagens que estão em diferentes jornadas, "A Viagem" é eletrizante. E ele ganha muitos créditos positivos por ter um final poderoso, que realmente faz todas as mensagens sobre indivíduo e sociedade serem profundas em vez de banais. Eu saí do filme sentindo como se tivesse visto um grande filme que inclui algumas decisões ultra-questionáveis, e eu ainda me sinto assim.

Aqui está o melhor jeito de descrever A Viagem que eu encontrei: é como uma daquelas refeições gourmet que incluem queijo francês picante e cérebro de cabra fresco e essas coisas. Mas se você consegue lidar com alguns sabores muito errados, o gosto final pode te deixar realmente muito feliz por ter comido tudo. 


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1 comentários

  1. Confesso que A Viagem é um filme que me conquistou pelo roteiro e trilha sonora (linda demais *.*), mas que me causa repulsa pela fotografia (pobre) e maquiagem fake.
    É um filme que tinha grande potencial, mas que em algum ponto se perde. Pretendo ler o livro para ver se encontro a peça perdida do filme.

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